Eu precisava fazer algo
diferente. A frustração, o descompasso dos momentos nada marcantes daquela
tarde que não sabia se chovia ou se era uma cópia seca do inferno me fizeram
pensar assim. Eu entrei no shopping e
subi as escadas rolantes como alguém que só quer se sentar em uma mesa e
observar seres humanos sendo seres humanos, cheios de falta de dor e falta de
amor. E foi lá que o avistei, de longe, sorrindo como se antes da sessão de
cinema ainda existisse um tanto de empolgação. Ele olhava para todos os lados,
menos o lado onde eu estava, muito menos alguém que ainda vestia a roupa do
trabalho e tinha o cabelo ressecado, sujo de ônibus e com uma sensação de perda
de tudo que podia causar um sorriso.
Notei que havia uma mancha de
barro no pé direito do meu tênis, que além de tudo, estava precisando ser
aposentado. Percebi que alguma coisa se moveu e de repente se sentou em minha
frente, na minha mesa, mas que audácia de alguém que não pede nem licença. Mas
era ele, ele mesmo, que morou nos meus sonhos por tantos anos e agora tinha
sumido para voos maiores, justamente ele, com o sorriso, e todo o resto, me
dizendo um “oi, você está por aqui”. E por uns segundos não consegui falar. “Oi,
quanto tempo!”, eu disse, tentando encontrar as palavras ainda sem som.
De repente, parecíamos amigos de
infância, falando sobre o vídeo da internet, a banda que eu gostava, as
besteiras que eu fazia por aí e que eu morreria de vergonha de dizer para ele,
se tivéssemos um encontro normal. Ele estava ali, na minha frente, na frente de
alguém que não sentia nada pois não estava com a menor vontade de sentir, mas
de repente estava com todas as coisas mais lindas carregando pelas veias sentimentos
e vontades de abraçar, de beijar, de sentir prazeres, compartilhar o suor, a
saliva e a respiração no canto da orelha, viajar no mundo que só existia nos
meus sonhos.
Ele pegou minha mão e beijou
minha bochecha. Eu sorri e dei um beijo rápido em sua boca, num modo automático
de quem não acreditava no que estava acontecendo. Ele sorriu, me olhou e deu um
tchau sem graça. E começou a andar até o cinema com as amigas que já esperavam
por ele impacientemente.