quarta-feira, 23 de setembro de 2015

oi, quanto tempo

Eu precisava fazer algo diferente. A frustração, o descompasso dos momentos nada marcantes daquela tarde que não sabia se chovia ou se era uma cópia seca do inferno me fizeram pensar assim. Eu entrei no shopping e  subi as escadas rolantes como alguém que só quer se sentar em uma mesa e observar seres humanos sendo seres humanos, cheios de falta de dor e falta de amor. E foi lá que o avistei, de longe, sorrindo como se antes da sessão de cinema ainda existisse um tanto de empolgação. Ele olhava para todos os lados, menos o lado onde eu estava, muito menos alguém que ainda vestia a roupa do trabalho e tinha o cabelo ressecado, sujo de ônibus e com uma sensação de perda de tudo que podia causar um sorriso.
Notei que havia uma mancha de barro no pé direito do meu tênis, que além de tudo, estava precisando ser aposentado. Percebi que alguma coisa se moveu e de repente se sentou em minha frente, na minha mesa, mas que audácia de alguém que não pede nem licença. Mas era ele, ele mesmo, que morou nos meus sonhos por tantos anos e agora tinha sumido para voos maiores, justamente ele, com o sorriso, e todo o resto, me dizendo um “oi, você está por aqui”. E por uns segundos não consegui falar. “Oi, quanto tempo!”, eu disse, tentando encontrar as palavras ainda sem som.
De repente, parecíamos amigos de infância, falando sobre o vídeo da internet, a banda que eu gostava, as besteiras que eu fazia por aí e que eu morreria de vergonha de dizer para ele, se tivéssemos um encontro normal. Ele estava ali, na minha frente, na frente de alguém que não sentia nada pois não estava com a menor vontade de sentir, mas de repente estava com todas as coisas mais lindas carregando pelas veias sentimentos e vontades de abraçar, de beijar, de sentir prazeres, compartilhar o suor, a saliva e a respiração no canto da orelha, viajar no mundo que só existia nos meus sonhos.
Ele pegou minha mão e beijou minha bochecha. Eu sorri e dei um beijo rápido em sua boca, num modo automático de quem não acreditava no que estava acontecendo. Ele sorriu, me olhou e deu um tchau sem graça. E começou a andar até o cinema com as amigas que já esperavam por ele impacientemente.

Quem me dera ele não voltasse só para os meus sonhos. Mas lá ele pode ser o que eu quiser que seja. Às vezes, esse foi só mais um deles, eu sei que foi.


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

melhor da coisas

Vivia cada dia como se fosse o único. Não gostava de ganhar, não gostava de perder, mas gostava de viver e isso só bastava. Era sol, era lua, era a luz de quem já não tinha mais visão. Não tinha nada igual, mas era o mais parecido que podia existir. Entendia o que não precisava e se desfazia se deixasse de entender. O coração nunca tá fechado, é só chegar chegando, com jeitinho. E assim ocupar seu espaço. Ele é assim, simples e complexo, ele mora aqui dentro, onde as batidas me deixam viver, para não perder de vista a melhor das coisas da vida.